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quarta-feira, 21 de março de 2012

NEM SEMPRE O SOL ESTÁ BRILHANDO

Existem momentos em que você simplesmente está sensível. Não falo exatamente daquela sensibilidade positiva, que é capaz de transformar sua mente em um poderoso receptor de energias, imagens e informações. A sensibilidade a que me refiro é uma espécie de tristeza que em muito se assemelha a uma certa melancolia. Dizem que as mulheres são suscetíveis a alterações de humor por razões de ordem hormonal. Nem sempre. Acho que é da natureza feminina, independentemente destas oscilações físicas, alternar seu percurso entre montanhas e depressões em uma topografia absolutamente imprevisível. Quando isso acontece, tudo o que você quer é se isolar em seu mundo e ficar quietinha até perceber um brilho por entre as nuvens, em claro prenúncio de que o sol está finalmente voltando. Às vezes, porém, não é possível hibernar por consciente escapismo. As demandas da vida cotidiana não se importam nem um pouco com suas emoções e sensações, o que, entretanto, não é necessariamente ruim, porque a premência é sempre catalizadora do processo de recuperação.
Quando dei início ao Blog, assumi o compromisso de escrevê-lo em todas as minhas noites livres. Como eu não me lembro de haver estabelecido a misantropia como exceção a esta comprometimento, tenho a obrigação de seguir em frente com meus relatos de viagem.
Meus últimos comentários foram sobre meu novo e devotado amor à maravilhosa cidade de São Francisco, que comecei a explorar em um domingo à tarde e que, de uma certa forma, nunca mais saiu da minha cabeça. A metrópole tem forte apelo romântico, tanto que quase todos os célebres cantores do mundo já entoaram o famoso "I Left My Heart in San Francisco". E quando você está lá, você consegue compreender. Não se trata apenas de observar os casais apaixonados. A cidade, em si própria, é exatamente como o amor. Ela tem altos e baixos inacreditáveis e curvas tão acentuadas que escapam da sua tenaz compreensão. Não sei se você sabe, mas a famosa Lombard Street é conhecida como a "rua mais curva do mundo", o que, na realidade, pode ser considerado verdadeiro eufemismo, principalmente se você estiver tentando caminhar por ela calçando saltos altos. Na verdade, ela é uma ladeira muito íngreme, que desce em zigue-zague por vários quarteirões. E porque ela é muito estreita, o único sentido de direção possível é mesmo o que segue rumo abaixo, a não ser que você teime em subir a pé, em sentido contrário ao da direção dos carros. Não quero ser pessimista ou cética, mas esta rua, apesar de rodeada por canteiros muito floridos, é como o sinuoso desenho do amor, na fatalidade de quando ele não dá certo. A consequência natural de um mau relacionamento é sempre uma inevitável descida, que você deve percorrer com o cuidado necessário para não se machucar ainda mais. Além disso, é preciso considerar que, neste quadro, a aceitação é obrigatória como via de mão única. E não é prudente tentar fazer o caminho inverso. Isto vai lhe custar força e energia desnecessárias, exaurindo  completamente o seu ser.
Acredite ou não, mas dentro da Prefeitura de São Francisco, há uma enorme escultura brilhante em formato de coração. Esta cidade é assim. E se você estiver sozinha, como eu estava, vai entender ainda com mais propriedade como seus sentimentos podem se tornar ambíguos e contraditórios de uma hora para outra. De uma certa forma, tudo ali lembra o amor, em escala significativamente potencializada. E quando você presta atenção ao amor, lembra também que não tem um amor. E então lembra das ladeiras da sua vida e das tentativas, em vão, de seguir contra seu fluxo natural. E das escorregadas e arranhões. E das vezes que você posou para fotos, como fiz ao lado daquele enorme coração, sem qualquer significado aparente. E das coisas que muitas vezes você fez e que não fizeram nenhum sentido. E das pessoas que nunca cantarem nenhuma canção de amor.
São Francisco é assim poderosa. Ela tem a capacidade de instigar e de provocar as mais variadas emoções. Seja em uma praça famosa, seja no Pier 39, seja na Golden Gate, seja em Chinatown, seja em Little Italy, seja em Alcatraz Island. Em San Francisco quase nada te liberta. Quase nada passa despercebido. Quase tudo te fascina, te encanta e te intriga. Não é exagero dizer que São Francisco é como um hábil sedutor que, após uma perfeita e plena noite de amor, pode te abandonar para sempre, sem deixar qualquer vestígio, sem qualquer palavra, sem qualquer explicação.

(Lombard Street, San Francisco, CA, USA - foto extraída de http://www.gogobot.com/)