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quinta-feira, 3 de maio de 2012

AS BODAS DE LAXMI

No ano de 1995, eu me divorciei após sete anos de casamento e outros cinco de namoro. Às vezes eu me pego pensando nesse acontecimento e parece que foi ontem. É incrível como o tempo voa. Às vezes, porém, parece que faz uma eternidade que tudo aquilo aconteceu e chego a duvidar que tenha sido nesta mesma vida. É inacreditável como em alguns anos somos capazes de mudar tanto. De todo modo, o que é maravilhoso é que este é um assunto totalmente superado e com relação ao qual não existe qualquer mágoa, culpa ou raiva. Aliás, chega a ser interessante observar que, passados todos estes anos, as razões propriamente ditas sequer importam mais. Importa apenas como estamos nos sentindo e vivendo cada dia de nossas vidas.
Naquele mesmo ano em que assinei os papéis do meu divórcio, Laxmi Sargara se casou. Laxmi é uma linda indiana, do Estado do Rajastão, que, na data do seu casamento, contava com apenas um ano de vida. Seu noivo, Rakesh, havia nascido dois anos antes dela.
Apesar de casada, Laxmi sempre morou com sua família. Na verdade, ela teve uma infância e uma adolescência absolutamente normais, até que, este ano, ao completar dezoito anos de vida, descobriu seu verdadeiro estado civil. Isto ocorreu quando seus sogros, pais do agora rapaz de vinte e um anos, foram reivindicá-la para a consumação do matrimônio. Laxmi, atônita, não concordou e passou a traçar o seu novo destino
Pelo que sei, os casamentos entre crianças são proibidos na Índia desde pelo menos a década de 20. Mas, ao que parece, isso lá não tem a menor importância. Só no Estado de Laxmi, o Rajastão, quase 10% das crianças casam-se antes de completarem dezoito anos de idade, sendo que, segundos dados da Unicef, 40% dos casamentos do mundo nesta condição acontecem naquele País.
A despeito deste cruel costume arraigado na pequena comunidade em que Laxmi vivia, ela achou melhor buscar um caminho alternativo. E, assim, fez jus a seu próprio nome, que, para os hindus, é a divindade que melhor representa a potência feminina. A adoração à deusa Laxmi (ou Lakshmi) inclui acreditar que é ela quem concede aos mortais a força e a coragem para enfrentar qualquer sacrifício.
Laxmi entrou em depressão, mas saiu dela e, com dignidade, honrou seu nome e a conotação de seu significado. Sem o suporte de sua família, buscou uma ONG local, a Sarathi Trust, sediada na cidade de Jodhpur, que providenciou um representante para interceder junto a Rakesh.
E foi assim que ambos, juntos, assinaram uma declaração juramentada perante o Tabelião daquela cidade. E foi assim que este ato formal, ocorrido em 25 de abril de 2012, tornou-se a primeira declaração de nulidade de casamentos realizados entre crianças na história daquele povo.
Como todas nós sabemos muito bem, todos os rompimentos de laços são significativos em nossas vidas e normalmente vêm acompanhados de dor. No caso de Laxmi, porém, a dor maior seria ceder a aquela imposição, até porque afeto propriamente dito não havia. E, por outro lado, a dor que ela poderia sentir, relacionada a todos os obstáculos que deveria enfrentar, foi por ela considerada muito menor do que o desgosto de viver em desacordo com sua vontade e com sua liberdade de escolha.
Laxmi agora é uma moça livre que poderá casar-se com quem quiser e se quiser. É também um claro exemplo de auto-respeito e de coragem. E, transcorrida apenas uma semana desde aquele feito, já pode também ser considerada um símbolo de determinação e de ousadia. A vida de Laxmi está começando agora. Mas, ao menos para mim, já é uma existência a ser reverenciada e a ser seguida.

(Taj Mahal, Agra, Índia - foto extraída de https://www.google.com.br/)