Pesquisar este blog

terça-feira, 24 de abril de 2012

O RITUAL NOSSO DE CADA DIA

Minha primeira experiência com Kava aconteceu na minha segunda noite em Fiji e confesso que foi bem menos impactante do que eu imaginava. Sistemática que sou, ainda antes da minha viagem, tratei de pesquisar acerca da legalidade da bebida e também quanto a possíveis efeitos colaterais. Eu não queria ter problemas com a lei a milhares e milhares de milhas do meu país. Além disso, eu estava viajando sozinha e não seria nada recomendável que eu me colocasse em estado de torpor ou até de inconsciência.
Para quem não sabe, Kava é uma planta típica das ilhas do Pacífico Sul e seu modo de preparo varia de  acordo com o vilarejo e com a tribo. Nas três diferentes ilhas em que acompanhei todo o processo, foi usado o mesmíssimo método. Primeiro, a raiz deve ficar completamente seca. Depois, ela é moída até transformar-se em pó. Por fim, este pó é misturado em água fria até dissolver completamente.
Na cerimônia, apenas o chefe prepara o Kava e, para tanto, ele utiliza um recipiente côncavo de madeira denominado Tanoa. Uma metade de casca de coco, então, é introduzida na tigela e utilizada para retirar o líquido e, assim, os participantes bebem esta espécie de infusão.
Como minhas pesquisas apontaram para a legalidade da bebida em muitos países ocidentais, como Estados Unidos e Austrália, permiti-me participei de uma celebração.
Como eu era novata no grupo, foram pronunciadas algumas palavras ritualísticas para a minha iniciação. Pedi para o chefe colocar apenas um pouco da bebida, até porque me informaram que aquele meio coco deveria ser ingerido como quem vira um "shot" de tequila numa noite caribenha. Educado e respeitoso, fez chegar às minhas mãos somente um fundinho da bebida, que tomei de uma só vez, sob a observação de todo o grupo.
A cor é amarronzada e o gosto é de terra. Fiquei pensando, então, que raios eu estava fazendo ali, até porque minha língua amorteceu por uns cinco minutos. 
Passada a sensação inicial, muito mais de receio do que de prazer, e depois de constatar que não tive nenhuma reação estranha ou indesejável, ali permaneci pelo resto da noite, mas recusei a segunda rodada. e todas as subsequentes. 
No dia seguinte, tive a oportunidade de conversar com literalmente dezenas de fijianos e fui mais a fundo no assunto. Beber Kava faz parte da cultura nacional como quem bebe um café preto ali na esquina. Embora a origem possa ser religiosa ou medicinal, como me contaram por lá, o fato é que hoje a bebida possui um caráter altamente social, que faz lembrar aquilos amigos na faixa dos cinquenta anos que se reúnem para acender um charuto de qualidade numa quinta-feira à noite. Nada mais do que isso. E descobri, também, que se você, como turista, não sentar-se todas as noites numa rodinha de violão para compartilhar a bebida, será considerada indelicada, desrespeitosa e deselegante.
Sem muita saída, sucumbi a esta bebida nas doze noites que passei em Fiji. Como resultado, não notei nada demais, a não ser, verdade seja dita, que ela realmente confere um certo relaxamento associado a uma leve euforia. Mas nada muito sério. Esta bebida é bem menos insidiosa que a caipirinha de Vodka de sábado à noite.
E assim foi minha estada em Fiji. Muitas atividades à luz do sol e momentos de congregação à noite, onde tive a oportunidade de ouvir histórias incríveis, de ouvir músicas tocantes e de sentir o aroma da fogueira crepitando logo ali, bem debaixo da lua cheia e bem ao lado das ondas azuis do Pacífico.
Fiji é um outro mundo, acredite. Quando você atravessa aquele portal, deve esquecer seus próprios paradigmas. Estar em Fiji é como estar em uma escola em que você treina sua capacidade de não julgar e de não comparar. 
As experiências ali são marcantes. As pessoas são gentis e alegres. A natureza é imponente e exuberante. A paz é obrigatória e inevitável. E participar daqueles rituais cotidianos é mergulhar em uma cultura rica, autêntica, orgânica. São muitas as sensações que invadem e inebriam o seu ser. Sob os efeitos da Kava, ou não.

(Cerimônia de Kava - foro extraída de http://www.islandgetawaystravel.com/)