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sexta-feira, 23 de março de 2012

OS ESPELHOS MÁGICOS

Pode parecer estranho que a dois dias de embarcar para Honolulu, Capital do Havaí, eu estivesse comprando luvas, cachecol e gorro de lã na cidade de São Francisco. Eu estava me preparando para visitar o Yosemite National Park e, segundo a acertada meteorologia, estaria nevando ali. E foi assim que, em uma terça-feira cedinho, mas bem cedinho mesmo, partimos em tour para aquele maravilhoso lugar. O motorista do ônibus chegou adiantado uns quinze minutos. Quando foram me chamar no restaurante do hotel, pedi para que ele esperasse um pouquinho. O simpático rapaz da recepção voltou em seguida e me explicou que não seria possível, pois o motorista tinha outros tantos turistas para apanhar em diferentes hotéis, todos exatamente às seis da manhã. Como meu hotel era o primeiro da lista, meu café acabou sendo abruptamente interrompido um quarto de hora antes do combinado. Obviamente isto não foi muito agradável para mim, mas, surpreendentemente, foi o motorista quem ficou de mau humor. Não eu. Coisas de viagem.
Seguimos em frente, nós dois, para pegar todos os demais viajantes e partimos, então, em direção a nosso destino. No ônibus havia alguns australianos muito simpáticos. Havia também alguns orientais, com suas potentes câmeras e, dentre eles, uma japonesinha na flor de seus dezesseis anos, acompanhada de sua mãe. A menina tinha um ar de top model e a devotada mãe não se cansava dos cliques de sua poderosa Nikon e nem das caras e bocas da filha. Mas o mais engraçado mesmo foi que a garota usava botas de salto altíssimo, cílios postiços gigantes e perfeito batom Dior na cor vermelho-paixão. Ela era linda e parecia uma heroína de Mangá adornada com autêntica bolsa Louis Vuitton e trench coat Prada.
Eu não tenho nada a ver com o que os outros vestem ou deixam de vestir, mas fiquei me indagando se aquela plataforma era adequada ao passeio, que incluía trilhas na neve e lagos congelados. E pude constatar, ao chegarmos ao Parque quatro horas depois, que minhas suspeitas estavam corretas. A garota teve muita dificuldade para descer do ônibus e posso afirmar com toda a convicção do mundo que, se ela tem um blog de viagem, não foi capaz de relatar nada além da Cafeteria do Parque. Ela não conseguiu andar para fora dali.
O Parque, que se localiza em Sierra Nevada, possui riquíssimas fauna e flora. Mas o ponto alto de Yosemite são, literalmente, as gigantescas formações rochosas, mundialmente conhecidas pelas escaladas de atletas insanos que permanecem pendurados em uma parede de pedra por três dias até atingirem o topo. O El Capitan é talvez o mais famoso penhasco de granito do mundo. Mas Sentinel Dome e Half Dome não ficam nem um pouco atrás em termos de beleza e de grandiosidade. Meu lugar predileto, porém, foi Mirror Lake, que é remanescente de um grande lago glacial. Este lugar é mágico. Sério mesmo. Clique aqui e tenha uma pequena amostra deste pedaço deslumbrante do Paraíso. Felizes os que puderem ver esta maravilha pelo menos uma vez em sua vida.
Não quero ser crítica demais ou insistente no assunto, mas, diante daquela incomensurável e magnífica visão, eu não podia deixar de pensar na garotinha oriental. Tenha sido a decisão da moça ditada por questão de cultura, moda, tendência ou vaidade, o fato é que ela, em minha humilde opinião, perdeu muito de seu passeio. Eu, por exemplo, ainda que tivesse suprimida a minha primeira refeição do dia, tal como ocorreu de manhã, jamais me disporia a permanecer oito horas dentro de um ônibus apenas em nome de uma boa xícara de café preto e de alguns cookies. Mas a vida é assim e escolhas são escolhas. Ela não viu as principais maravilhas naturais de Yosemite e nem trilhou com seus próprios pezinhos por aqueles caminhos encantados. Eu, por outro lado, vi coisas incríveis, mas, ao menos naquele dia, poderia ter ganho o "Oscar" da deselegância, já que trajava um gorro enfiado na cabeça, calça jeans molhada até o tornozelo e tênis encharcado de lama e de neve. 
Nós, mulheres, somos muito vaidosas e gostamos de ser notadas e observadas. Mas há momentos certos para isso. Ou melhor, há momentos em que, mais importante do que sermos vistas, é ver e conseguir enxergar. Porque podemos nos olhar em nossos espelhos todos os dias das nossas vidas, mas, não, naquele Mirror Lake. E quer saber mesmo? Às vezes, contemplar de dentro para fora nos faz ver a nós mesmas de fora para dentro. Não sei como isso funciona. Mas aquele tipo de espelho nos possibilita ver além de nossas próprias faces. Estes espelhos refletem muito mais do que imagens. Eles são capazes também de fazer brilhar o tempo, as lembranças, os sons e as memórias. Esses espelhos nunca se quebram e sempre sabem o que você está pensando e sentindo. Não é possível mentir para esses espelhos, pois eles conhecem todas as verdades da alma. Estes espelhos são perfeitos e justos e mostram as coisas como elas realmente são. Eles não distorcem e nem deformam. São espelhos sábios, que não julgam e não criticam ninguém. E ainda podem contar a você tudo o que eles sabem sobre a vida. Esses espelhos mágicos não se importam com os seus erros e com seus acertos. Eles são infinitamente generosos na capacidade de compreender e de perdoar, mesmo que você esteja usando calçados impróprios para percorrer as trilhas da sua existência. Eles são o que são e refletem o que é.  E, mais do que isso, refletem o que foi. E o que será.

(Mirror Lake, Yosemite Park, CA, USA - foto extraída de http://en.wikipedia.org)