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terça-feira, 8 de maio de 2012

NA TERRA DAS FADAS

Esta semana ganhei um presente muito especial do meu pai. Um livrinho sobre mitologia. Na verdade, ele é uma espécie de dicionário em que você pode encontrar, pelo nome, os principais personagens das maravilhosas histórias lendárias que se desenvolveram no berço da cultura romana, grega, egípcia, nórdica e celta. Imediatamente fui em busca de meu próprio nome e pude reviver, com emoção, aquilo que eu já sabia mas que se encontrava adormecido em mim há muitos e muitos anos: os fantásticos relatos sobre Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda.
De acordo com histórias medievais e romances contados através dos séculos, Arthur teria comandado, juntamente com seus fiéis cavaleiros, a defesa contra os invasores saxões chegados à Grã-Bretanha no início do século VI. E ele teria, também, sido aconselhado por Merlin, um sábio mago que, segundo tais relatos, conhecia todos os segredos do céu e da terra, da vida e da morte, dos homens e dos deuses. E muito embora tenha sido atribuída a Merlin a fama de feiticeiro, contam os entendidos que ele, na verdade, pretendia apenas assegurar a paz entre os povos. As histórias arturianas são tão ricas em detalhes que muitos acreditam que se trata de relatos absolutamente verídicos.
Dizem também estas histórias que o famoso círculo de pedras britânico teria sido construído por Merlin, o qual teria providenciado, no ano 300 A.C, o seu transporte, pelo ar, desde o País de Gales. Mas se Merlin era dotado de poderes especiais, tinha também seu lado humano. E foi assim que ele teria se apaixonado por Viviane, também conhecida como "A Senhora do Lago". E tamanha teria sido tal paixão que Merlin, cego de encantamento, teria entregue à sua amada todos os segredos que ele, até então, guardava com absoluta exclusividade. Viviane era filha de Diana, a deusa dos bosques, e irmã mais velha de Igraine, mãe de Arthur. E foi nesta condição de tia que Viviane teria concedido a Arthur a famosa Excalibur. Este importante ato teria acontecido em Avalon, sagrada ilha bretã regida por sacerdotisas. A famosa Fada Morgana era meia-irmã de Arthur e teria sido treinada por Viviane para sucedê-la em sua missão de assegurar a paz e a sabedoria, tornando-se a nova líder desta terra insular.
Ao que consta, estas narrativas, embora não verdadeiras, guardam estreita relação com as antigas cultura e religião celtas. Historicamente, a expressão "celta" é a designação dada a um conjunto de povos organizados em múltiplas tribos pertencentes à família linguística indo-européia e que se espalhou pela maior parte do oeste da Europa a partir do segundo milênio antes de Cristo. Tal etnia, assim definida como os povos que falavam o idioma celta, transmitiu a sua história através das tradições e do folclore. Pouco se escreveu a respeito e o que se sabe destes grupos deveu-se à mera perpetuação dos costumes.
Os celtas exaltavam a força da Terra e a natureza era considerada a expressão máxima da Deusa-Mãe. Embora a sociedade não fosse rigorosamente matriarcal, as mulheres possuíam grande importância em sua dinâmica e funcionamento, na medida em que a Divindade Superior era um ente feminino. E tanto as forças do Universo regiam suas crenças que os celtas não construíam templos. Suas reverências aconteciam nos bosques para propiciar a adoração aos vários elementos da natureza. Infelizmente, a religião celta perdeu-se no tempo. As reminiscências que ficaram resumem-se basicamente à wicca e suas derivações, as quais ostentam conteúdo pagão e incluem rituais de bruxaria. Seus princípios originais e sua essência primeira não permaneceram.
Em pouco mais de um mês, visitarei a Grã-Bretanha e se eu tiver tempo, visitarei alguns locais importantes da história celta. Pretendo ir a Stonehenge e contemplar de perto esta misteriosa obra. Pretendo comprar alguns livros. Pretendo conversar com as pessoas locais para compreender um pouco melhor estes povos. Com sorte, conseguirei.
É claro que sei que todas estas histórias fantásticas são lendas. Mas, mesmo assim, gosto de pensar que a sacerdotisa-maior de Avalon se chamava Viviane e que foi ela quem, tal como uma fada, entregou a espada mágica para seu sobrinho Arthur. Gosto também de imaginar as aventuras vividas por Merlin e sua amada quando teriam percorrido toda a Europa no dorso de um cavalo. E gosto de reproduzir em minha mente como seriam as visitas às florestas para homenagear a mãe-natureza.
As lendas são maravilhosas e nos fazem sonhar. São estas histórias que fazem a nossa imaginação funcionar e que giram a engrenagem do mundo.  Estas narrativas resgatam a doçura dos antigos tempos e a força de um ser humano impulsionado pela honra e pela coragem. Heróis e princesas fazem falta nos dias de hoje. E por isso mesmo os Contos de Fadas são tão interessantes e fascinantes: eles nos fazem acreditar na existência de um mundo melhor, em que a paz possa reinar.
E, pensando agora, talvez seja a esta a razão pela qual estes relatos místicos ainda existem de forma a sobreviver à própria realidade.

(Stonehenge, Great Britain - foto extraída de http://turismo.culturamix.com/)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

AS MARCAS DO CORPO E DA ALMA

Em uma sexta-feita ensolarada do último mês de fevereiro, decidi fazer um passeio de barco na maravilhosa praia de Waikiki, em Honolulu, Capital do Havaí. O catamarã escolhido se chama Mana Kai e costuma ficar ancorado bem no meio da praia, exatamente em frente ao hotel em que eu estava hospedada, o Aston Waikiki Beachside. O passeio dura cerca de uma hora e por meros US$20 você tem uma excelente visão de toda a costa.
Subi na pequena embarcação e ao meu lado sentou-se um americano de meia-idade que se dizia amigo do dono. Como o proprietário do barco não se achava a bordo, não pude aferir a veracidade desta informação, a qual, honestamente, era completamente irrelevante. Cerca de dez minutos depois, o barquinho saiu e comecei a ver, à distância, os contornos urbanos e naturais daquela ilha tão especial, verdadeira pérola flutuando sobre o Oceano Pacífico.
Em um dado momento, o tal americano me perguntou sobre uma cicatriz vertical nas minhas costas, ao que, sem qualquer problema, expliquei a ele que havia me submetido a uma cirurgia no mês de maio do ano passado para a retirada de uma hérnia extrusa. Ele reparou também que eu tinha cicatrizes nos meus dois joelhos. Contei a ele, então, que tive que fazer uma correção cirúrgica na rótula esquerda e que havia retirado o menisco do joelho direito devido a uma lesão por sobrecarga de esportes.
Costumo ter muita paciência e tolerância com as pessoas e, embora tenha achado de péssimo gosto a piada do americano, não deixei de aproveitar o momento e sentir a brisa fresca no meu rosto. O americano havia me chamado de Mrs. Frankenstein e comentado o fato com os outros passageiros.
Fiquei pensando, então, naquelas minhas cicatrizes pelas quais tenho muito amor e respeito. E cheguei até a achar engraçado que eu tivesse merecido o deselegante apelido mesmo sem que ele tenha contabilizado as outras marcas do meu corpo, pois, além daquelas três, tenho ainda a cicatriz da cesariana e de uma mamoplastia que fiz aos dezoito anos para a redução dos meus seios.
As cicatrizes do meu corpo contam a história da minha vida e, para mim, são muito belas. Cada uma delas representa um importante acontecimento e todas elas podem ser consideradas como marcos de mudanças sem as quais eu não teria crescido e me tornado a pessoa que hoje eu sou. Sinceramente, não compreendo como uma pessoa pode se envergonhar dos desenhos que narram a sua própria existência.
E assim também são as cicatrizes da alma. Elas fazem a narrativa do seu desenvolvimento como ser humano. As quedas, derrotas, insucessos e fracassos deixam vestígios indeléveis que jamais serão apagados, já que o passado ninguém pode mudar. Mas no presente eles são indolores e inofensivos. E por isso mesmo estas marcas são tão maravilhosas e ali devem permanecer.
As feridas do corpo e da alma doem, latejam, cortam, ardem, sufocam, queimam e merecem ser cuidadas. Já as cicatrizes não provocam mais nenhuma sensação de desconforto. São apenas os traçados da sua própria jornada.
Amo as minhas cicatrizes. As do corpo e as da alma. Quando penso nelas, posso me recordar, sem sofrimento ou vergonha, de tudo o que aconteceu e de como as intervenções em cada qual das lesões foram bem sucedidas. Nunca pensei em corrigi-las ou escondê-las. Ao contrário, tenho orgulho delas e dos episódios relevantes que elas ainda contam.
A navegação seguiu como prevista e, ao desembarcar segura nas brancas areias da praia, tive a sensação de que durante o passeio aprendi mais uma importante lição. Nossas vidas deixam rastros visíveis que podem incomodar. Por outro lado, eles sinalizam também qual o trajeto percorrido até aqui e como nos saímos até então. Podemos, então, desta maneira, saber se estamos no caminho certo rumo ao próximo  porto ou se ainda há algo, lá atrás, que precisa de cuidado e atenção.
E agora você já sabe. Quando as suas feridas finalmente viram cicatrizes você torna-se vitoriosa de si mesma e preparada para novos voos. Já não há dor. Somente lembranças. Já não há sofrimento. Apenas recordação. E então você pode seguir em frente, mais uma vez, sabendo que sempre há o risco de outros acidentes e quedas. Mas também com o conhecimento e com a convicção de que sempre há a possibilidade de satisfatória recuperação.

(Waikiki Beach, Honolulu, Hi, - foto extraída de http://www.orbitz.com/blog/)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

AS BODAS DE LAXMI

No ano de 1995, eu me divorciei após sete anos de casamento e outros cinco de namoro. Às vezes eu me pego pensando nesse acontecimento e parece que foi ontem. É incrível como o tempo voa. Às vezes, porém, parece que faz uma eternidade que tudo aquilo aconteceu e chego a duvidar que tenha sido nesta mesma vida. É inacreditável como em alguns anos somos capazes de mudar tanto. De todo modo, o que é maravilhoso é que este é um assunto totalmente superado e com relação ao qual não existe qualquer mágoa, culpa ou raiva. Aliás, chega a ser interessante observar que, passados todos estes anos, as razões propriamente ditas sequer importam mais. Importa apenas como estamos nos sentindo e vivendo cada dia de nossas vidas.
Naquele mesmo ano em que assinei os papéis do meu divórcio, Laxmi Sargara se casou. Laxmi é uma linda indiana, do Estado do Rajastão, que, na data do seu casamento, contava com apenas um ano de vida. Seu noivo, Rakesh, havia nascido dois anos antes dela.
Apesar de casada, Laxmi sempre morou com sua família. Na verdade, ela teve uma infância e uma adolescência absolutamente normais, até que, este ano, ao completar dezoito anos de vida, descobriu seu verdadeiro estado civil. Isto ocorreu quando seus sogros, pais do agora rapaz de vinte e um anos, foram reivindicá-la para a consumação do matrimônio. Laxmi, atônita, não concordou e passou a traçar o seu novo destino
Pelo que sei, os casamentos entre crianças são proibidos na Índia desde pelo menos a década de 20. Mas, ao que parece, isso lá não tem a menor importância. Só no Estado de Laxmi, o Rajastão, quase 10% das crianças casam-se antes de completarem dezoito anos de idade, sendo que, segundos dados da Unicef, 40% dos casamentos do mundo nesta condição acontecem naquele País.
A despeito deste cruel costume arraigado na pequena comunidade em que Laxmi vivia, ela achou melhor buscar um caminho alternativo. E, assim, fez jus a seu próprio nome, que, para os hindus, é a divindade que melhor representa a potência feminina. A adoração à deusa Laxmi (ou Lakshmi) inclui acreditar que é ela quem concede aos mortais a força e a coragem para enfrentar qualquer sacrifício.
Laxmi entrou em depressão, mas saiu dela e, com dignidade, honrou seu nome e a conotação de seu significado. Sem o suporte de sua família, buscou uma ONG local, a Sarathi Trust, sediada na cidade de Jodhpur, que providenciou um representante para interceder junto a Rakesh.
E foi assim que ambos, juntos, assinaram uma declaração juramentada perante o Tabelião daquela cidade. E foi assim que este ato formal, ocorrido em 25 de abril de 2012, tornou-se a primeira declaração de nulidade de casamentos realizados entre crianças na história daquele povo.
Como todas nós sabemos muito bem, todos os rompimentos de laços são significativos em nossas vidas e normalmente vêm acompanhados de dor. No caso de Laxmi, porém, a dor maior seria ceder a aquela imposição, até porque afeto propriamente dito não havia. E, por outro lado, a dor que ela poderia sentir, relacionada a todos os obstáculos que deveria enfrentar, foi por ela considerada muito menor do que o desgosto de viver em desacordo com sua vontade e com sua liberdade de escolha.
Laxmi agora é uma moça livre que poderá casar-se com quem quiser e se quiser. É também um claro exemplo de auto-respeito e de coragem. E, transcorrida apenas uma semana desde aquele feito, já pode também ser considerada um símbolo de determinação e de ousadia. A vida de Laxmi está começando agora. Mas, ao menos para mim, já é uma existência a ser reverenciada e a ser seguida.

(Taj Mahal, Agra, Índia - foto extraída de https://www.google.com.br/)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

AS RAZÕES DE UMA ROSA

Em exatos trinta dias, partirei para uma jornada inteiramente nova e desafiadora. Fui aprovada para cursar o Mestrado em "Comparative Law", que terá lugar na Universidade de Samford (USA) e na Universidade de Cambridge (UK). Embora estas últimas semanas tenham sido corridíssimas, já que agreguei à minha rotina muitas aulas de inglês jurídico e estudos direcionadas, posso dizer que estou longe de um estado de exaustão. E isso porque estou muito animada com este mais novo projeto de vida. Vou fazer o chamado "Programa de Verão", de modo que condensarei todos os créditos do Mestrado em quatro meses (junho/ julho de 2012 e 2013), em sistema de regime praticamente integral de aulas. E como o escopo do curso é o estudo comparativo da normatização constitucional americana e europeia, passarei os meses de junho nos Estados Unidos e os meses de julho no Reino Unido.
A sede da Universidade de Samford fica no Estado do Alabama, mais precisamente em Birmingham, que, por sua vez, fica a 137 km da Capital, Montgomery. Quando recebi a brochura do curso, percebi que não tinha uma noção muito clara de onde ficava este Estado e fiquei pensando se seria mesmo uma boa opção concorrer a uma vaga. Constatando, porém, que metade do curso seria em Cambridge, considerei que já valeria a pena tentar e, assim, acabei fazendo as provas de admissão e sendo aprovada em terceiro lugar.
Comecei, então, meu específico preparo, que incluiu uma pesquisa preliminar sobre o tema da minha tese futura e que certamente abrangerá alguns estudos mais aprofundados sobre os direitos fundamentais do ser humano. E, assim, a par do meu trabalho cotidiano e de todas as minhas demais atividades, venho me dedicando também a esta viagem.
Três dias atrás, após cerca de três horas de concentrada pesquisa sobre o tema do trabalho, resolvi fazer uma pausa e comecei a pinçar algumas informações sobre o meu destino. Logicamente, fui primeiro ao mapa dos Estados Unidos e, depois, passei a aferir aqueles óbvios dados concernentes à demografia, geografia, economia e história. E, em meio à clássica navegação pelos tópicos da Wikipedia, tive o prazer incomensurável de deparar-me com a Sra. Rosa Louise McCauleya, conhecida como Rosa Parks, nascida na Capital do Alabama em fevereiro de 1913 e falecida em Detroit em outubro de 1995. O que tornou esta mulher tão conhecida foi um fato ocorrido dentro de um ônibus no dia 1o. de dezembro de 1955, quando ela se recusou a ceder seu lugar a um passageiro branco que seguia no interior do coletivo. Rosa foi presa e acabou sendo liberada mediante o pagamento de fiança. E o mundo mudou a partir de então. A comunidade negra local indignou-se com a prisão da costureira e um jovem e desconhecido pastor protestante foi convidado a liderar um boicote ao transporte coletivo pelo período de 24 horas. Nem Rosa e nem seu colega pastor, que atendia pelo nome de Martin Luther King Jr., imaginaram que esta singela ação perduraria não por um, mas, sim por exatos 381 dias, e que desencadearia o mais significativo movimento anti-segregação racial já visto na América.
Três anos antes de sua morte, Rosa deu uma entrevista na qual justificou sua atitude dizendo que, naquele dia, seus pés estavam doendo. Ela acrescentou também que, a despeito da legislação vigente na época, simplesmente sentiu que tinha o direito de permanecer ali e de ser tratada como qualquer outro passageiro.  De uma certa forma, Rosa estava em sintonia com o que seria dito em Washington, em 1963, quando o pastor, ao tratar da união e da coexistência harmoniosa entre negros e brancos no futuro, pronunciou a célebre frase que o tornou universalmente conhecido. 
Ao que parece, Rosa, oito anos antes, também já tinha o seu sonho, que, para ela, transformou-se em realidade sem que precisasse pegar em armas ou gritar em praça pública. Sua voz silenciosa foi além e suficiente a cessar uma tradição de desigualdade. Rosa nunca foi vaidosa e nunca se despojou de sua simplicidade, nem mesmo quando, já célebre, ainda atribuía a seu cansaço um ato que veio a mudar a história da humanidade. 
Se Rosa estivesse viva, eu levaria rosas a ela na minha chegada ao Alabama. Terei o máximo prazer, porém, de me esforçar em manter viva a sua memória e de homenageá-la por ocasião da apresentação de minha tese final. Rosa Parks é um nome a ser eternamente reverenciado para jamais ser esquecido. E para ser invocado a nós mesmas em todos os dias das nossas vidas. 

(Nike of Samothrace - Jasmine Hills - Montgomery, Alabama - foto extraída de http://davidrwetzelphotography.wordpress.com/)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

LIBERDADE EXISTE?

Para quem não sabe, mantenho no Facebook uma página oficial e um grupo de discussão, ambos homônimos deste Blog. Tem sido uma experiência muito amorosa e enriquecedora dividir o afeto e a amizade com muitas Mulheres Com Asas, que, ali, têm a possibilidade de compartilhar os seus sentimentos e as suas vivências. Como já comentei anteriormente, este Blog nasceu da vontade de contar a outras mulheres como tem sido viajar sozinha há mais de quinze anos, para destinos muito variados. E, de uma certa forma, ele tem alcançado a sua missão, pois muitas mulheres me escrevem para narrar que tomaram a decisão de empreenderem seu primeiro voo solo depois de conhecerem um pouco mais a dinâmica desta  espécie de jornada.
Curiosamente, alguns homens também me escrevem e participam ativamente da página oficial e do grupo, o que, na realidade, revela-se alentador. Para as céticas de plantão, informo que pude apurar que existem, sim, muitos homens sensíveis, compreensivos e que se interessam pela alma feminina. Há uma luz no fim do túnel.
No dia de hoje, um dos leitores do sexo masculino e que não conheço pessoalmente, fez duas postagens no mural do grupo, afirmando, categoricamente, que não existe independência e que a liberdade é uma ilusão. Confesso que, à primeira vista, os comentários me pareceram um pouco inadequados para o conteúdo da página. Lembrando-me, porém, que estou numa empreitada no sentido de compreender melhor as atitudes e pensamentos humanos, recuei dois passos em meu julgamento condenatório e achei melhor repensar, por mim mesma, as colocações daquele leitor. E passei a me perguntar, então, se a liberdade existe mesmo ou se me encontro vivendo em um universo paralelo e totalmente dissociado da realidade.
Não me filio a nenhuma linha religiosa específica. Porém, devo admitir que, em grande parte, a filosofia oriental atende aos meus mais legítimos anseios de ter respondidas aquelas perguntas primordiais que formulamos desde o dia em que começamos a raciocinar.
Sendo assim, é claro que entendo perfeitamente que o universo, dentro dos limites de grandeza que podemos vislumbrar, é uma gigantesca teia de interações, quer percebamos ou não. Até o nosso piscar de olhos provoca imperceptíveis movimentos na atmosfera, os quais, reverberando, produzem reflexos concatenados a interferirem na dinâmica atômica de todo o planeta. E, sob esta ótica, é possível mesmo afirmar-se sobre a interdependência de todos seres.
Liberdade é outra coisa. Embora estejamos associados e interligados a tudo o que existe de material e imaterial, há algo dentro de nós que parece ser exclusivo. Dependendo da sua crença, filosofia ou religião,  você poderá chamar essa essência de alma ou de espírito. Até mesmo se for ateia, há de concordar que suas ondas cerebrais atuam numa frequência diferenciada, capaz de tornar você um ser humano único.
E é justamente o reconhecimento desta individualidade que permite aos seres humanos sentirem-se livres,  haja vista que, neste estágio de consciência, você não se interessa em imitar alguém ou ser outra pessoa que não você mesma. Até porque é impossível emular as sutilezas da mente humana.
E é por isso que eu defendo, sim, a ideia de que a liberdade existe e que não está atrelada a nenhuma condição, tal seja o seu estado civil, origem, raça, idade, aparência ou capacidade econômica. E ela existe porque dentro de você há algo que é só seu e que é intangível a tudo o mais que possa existir. E exatamente  porque passa ao largo de todas as considerações humanas, aquela centelha elementar que ilumina o seu ser  permite que nela você inspire seus mais elevados sentimentos, como alguém que acende um fósforo na chama de uma vela. 
E se você quiser reformular sua linha de raciocínio, pergunte a si mesma por que a liberdade não haveria de existir se dentro de você há um universo inteiramente seu.
Não sou dona da verdade e nem sei se ela tem dono. Mas tenho, para mim, que o expoente máximo da liberdade consiste em sentir e agir de maneira coerente com os contornos do seu Jardim do Eden, que não está sujeito à avaliação de mais ninguém. Ali, você faz o que deseja, arruma e planta como quiser, pinta, borda, dança, corre, voa, escreve, canta, encanta-se e sacia sua sede em fontes cristalinas. Chora e ri. Cai e levanta. E isso não é da conta de ninguém. 
Não desrespeito a incredulidade e apenas lamento que não tenho como provar que a liberdade realmente existe. E sei que ela existe porque a vejo dentro de mim. Acredito naquilo que quero acreditar. E isso também é liberdade.
E se alguém ainda duvida e quer pelo menos um pequeno indício de que ela é real, lembre-se que mesmo sem o seu corpo físico você ainda é você. E lembre-se também que até um prisioneiro é capaz de sonhar e de contar as estrelas do céu.

(Aurora Boreal e Vulcão Hekla em erupção - Islândia, 1991 - foto extraída do Google)

terça-feira, 24 de abril de 2012

O RITUAL NOSSO DE CADA DIA

Minha primeira experiência com Kava aconteceu na minha segunda noite em Fiji e confesso que foi bem menos impactante do que eu imaginava. Sistemática que sou, ainda antes da minha viagem, tratei de pesquisar acerca da legalidade da bebida e também quanto a possíveis efeitos colaterais. Eu não queria ter problemas com a lei a milhares e milhares de milhas do meu país. Além disso, eu estava viajando sozinha e não seria nada recomendável que eu me colocasse em estado de torpor ou até de inconsciência.
Para quem não sabe, Kava é uma planta típica das ilhas do Pacífico Sul e seu modo de preparo varia de  acordo com o vilarejo e com a tribo. Nas três diferentes ilhas em que acompanhei todo o processo, foi usado o mesmíssimo método. Primeiro, a raiz deve ficar completamente seca. Depois, ela é moída até transformar-se em pó. Por fim, este pó é misturado em água fria até dissolver completamente.
Na cerimônia, apenas o chefe prepara o Kava e, para tanto, ele utiliza um recipiente côncavo de madeira denominado Tanoa. Uma metade de casca de coco, então, é introduzida na tigela e utilizada para retirar o líquido e, assim, os participantes bebem esta espécie de infusão.
Como minhas pesquisas apontaram para a legalidade da bebida em muitos países ocidentais, como Estados Unidos e Austrália, permiti-me participei de uma celebração.
Como eu era novata no grupo, foram pronunciadas algumas palavras ritualísticas para a minha iniciação. Pedi para o chefe colocar apenas um pouco da bebida, até porque me informaram que aquele meio coco deveria ser ingerido como quem vira um "shot" de tequila numa noite caribenha. Educado e respeitoso, fez chegar às minhas mãos somente um fundinho da bebida, que tomei de uma só vez, sob a observação de todo o grupo.
A cor é amarronzada e o gosto é de terra. Fiquei pensando, então, que raios eu estava fazendo ali, até porque minha língua amorteceu por uns cinco minutos. 
Passada a sensação inicial, muito mais de receio do que de prazer, e depois de constatar que não tive nenhuma reação estranha ou indesejável, ali permaneci pelo resto da noite, mas recusei a segunda rodada. e todas as subsequentes. 
No dia seguinte, tive a oportunidade de conversar com literalmente dezenas de fijianos e fui mais a fundo no assunto. Beber Kava faz parte da cultura nacional como quem bebe um café preto ali na esquina. Embora a origem possa ser religiosa ou medicinal, como me contaram por lá, o fato é que hoje a bebida possui um caráter altamente social, que faz lembrar aquilos amigos na faixa dos cinquenta anos que se reúnem para acender um charuto de qualidade numa quinta-feira à noite. Nada mais do que isso. E descobri, também, que se você, como turista, não sentar-se todas as noites numa rodinha de violão para compartilhar a bebida, será considerada indelicada, desrespeitosa e deselegante.
Sem muita saída, sucumbi a esta bebida nas doze noites que passei em Fiji. Como resultado, não notei nada demais, a não ser, verdade seja dita, que ela realmente confere um certo relaxamento associado a uma leve euforia. Mas nada muito sério. Esta bebida é bem menos insidiosa que a caipirinha de Vodka de sábado à noite.
E assim foi minha estada em Fiji. Muitas atividades à luz do sol e momentos de congregação à noite, onde tive a oportunidade de ouvir histórias incríveis, de ouvir músicas tocantes e de sentir o aroma da fogueira crepitando logo ali, bem debaixo da lua cheia e bem ao lado das ondas azuis do Pacífico.
Fiji é um outro mundo, acredite. Quando você atravessa aquele portal, deve esquecer seus próprios paradigmas. Estar em Fiji é como estar em uma escola em que você treina sua capacidade de não julgar e de não comparar. 
As experiências ali são marcantes. As pessoas são gentis e alegres. A natureza é imponente e exuberante. A paz é obrigatória e inevitável. E participar daqueles rituais cotidianos é mergulhar em uma cultura rica, autêntica, orgânica. São muitas as sensações que invadem e inebriam o seu ser. Sob os efeitos da Kava, ou não.

(Cerimônia de Kava - foro extraída de http://www.islandgetawaystravel.com/)

domingo, 22 de abril de 2012

MEDA DAU DOKA

Ou "God Bless Fiji" é o refrão do Hino Nacional da República de Fiji (em fijiano: Mataniku ko Viti), país insular da Oceania, que faz fronteira marítima com Tuvalu e com o território francês de Wallis e Futuna ao norte, com Tonga a leste, e com o território francês da Nova Caledônia, com Vanuatu e com as Ilhas Salomão a oeste. A sul, a terra mais próxima corresponde às ilhas neozelandesas de Kermadec, mas estas ficam bem distantes (fonte: wikipedia).
Uma viagem a Fiji não é uma viagem qualquer. Para começar, é um pouco complicado chegar até lá e não raras vezes você precisará de uma logística e tanto. Primeiro, tem a questão do fuso. Se você estiver partindo dos Estados Unidos, deverá considerar que necessariamente atravessará a Linha Internacional de Mudança de Data, a qual nada mais é que um marco imaginário que, por convenção internacional, muda a data civil da Terra. No meu caso, parti de Honolulu em uma sexta-feira de manhã e, após poucas horas de voo, aterrissei em Nadi quando já era sábado à tarde. É como seu eu tivesse "envelhecido" um dia na minha ida. Felizmente, retornei à minha idade real quando voei de volta aos Estados Unidos cerca de doze dias depois.
Mas não só. Você deverá ter em mente exatamente o que deseja em Fiji, pois a mobilidade ali não é muito fácil. A ilha principal de Fiji chama-se Viti Levu, onde se localiza a Capital, Suva, e também a cidade de Nadi, onde chega a maior parte dos voos internacionais. Por incrível que pareça, estas cidades ficam em exatos dois opostos da ilha, motivo pelo qual nem cheguei a ir até a Capital.
Esta ilha central possui uma área geográfica infinitamente maior que as dezenas de arquipélagos e suas pequenas ilhas que a contornam. Não é, porém, paradisíaca, o que significa dizer que você deverá escolher um grupo de ilhas do seu interesse e para lá se encaminhar.
Como eu havia reservado um bom período para este País, dividi minha estada em dois locais completamente distintos. Fiquei cinco dias no Robinson Crusoe Island Resort, que fica numa pequena ilha em Natadola Beach, e cinco dias no Blue Lagoon Beach Resort, numa super distante ilhazinha no Yasawas Group. Além disso, passei a primeira e a última noite em Nadi, no Smugglers Cove Beach Resort.
Explico melhor. Quando você chega a Nadi, deverá pernoitar em algum dos hotéis próximos ao aeroporto. E isto porque todo o transporte para os locais de maior interesse sai no período da manhã, o que significa dizer que você deverá estar pronta para partir antes das oito. Não importando, pois, seu horário de desembarque em Fiji, tenha já sua reserva feita em hotel próximo ao aeroporto. Em quase todos estes hotéis de chegada há programações noturnas, que incluem música local e a cerimônia de Kava. O Smugglers é um hotel simples, mas que atende bem a sua finalidade. Além disso, possui um serviço gratuito para apanhá-la no aeroporto, onde, aliás, você já deverá fazer o câmbio de seus dólares americanos para dólares fijianos. Lembre-se que você terá contato com vilarejos locais e que muitos serviços e produtos só aceitam mesmo a moeda dali. Nos hotéis, porém, você paga com cartão de crédito sem problemas.
Neste primeiro dia em Fiji, é bom que você se acostume com duas palavras locais que vai ouvir a cada cinco minutos. A primeira é "Bula". "Bula" é uma expressão usada para dizer olá, bem-vindo, saúde, vida. E quando alguém se dirigir a você num alegre "Bula!", responda de igual maneira. É a maneira mais delicada  e apropriada de se comunicar com os fijianos.
A segunda palavra é "Vinaka", que significa obrigado. Estando em um país completamente diferente do seu, é de bom tom que sua interação seja feita desta maneira, embora todos ali falem inglês fluentemente. Seguindo estas regrinhas, você começará muito bem a sua experiência.
Fiji é exótica, tranquila e intrigante. Seu povo é extremamente bem humorado e receptivo. E isso não acontece porque você está ali na qualidade de turista. Eles são realmente assim. 
Se você for uma pessoa totalmente urbana e consumista, não recomendo que vá a Fiji. Mas se você quiser estar em meio à natureza exuberante e à simplicidade da vida, posso dizer que ali é o seu lugar. E, para isso, pouco importa que você esteja em um hotel "budget" ou num "five star resort". Em Fiji você será sempre bem recebida, pois os fijianos, como pessoas abençoadas que são, não fazem distinções com relação à sua capacidade econômica, idade, sexo, raça, propósito ou intenções. Eles se dedicam ao contentamento dos seus visitantes de forma irrestrita e não desejam nada em troca. Eles conhecem a beleza que têm ao seu redor e manifestam profundo respeito por sua casa. Eles temem a Deus e amam os seres humanos. 
Os fijianos são especiais e felizes como ninguém. São devotos da liberdade, da natureza e de sua fé. E, com orgulho, assim entoam seu hino: "For Fiji, ever Fiji, let our voices ring with pride, her name hail far and wide, a land of freedom, hope and glory, to endure what ever befall. May God bless Fiji, forever more!". Bula forever.


sábado, 14 de abril de 2012

MEU LUGAR NÃO É NO PARAÍSO

Dividi minha última viagem em etapas distintas. A primeira delas foi a Califórnia. A segunda foi o Havaí. A terceira foram as Ilhas Fiji. Por ser considerado um destino exótico, muitas pessoas ficam curiosas em saber como é a vida naqueles confins do Oceano Pacífico e como tinha sido a minha experiência de participar de uma típica cerimônia de "kava". Muitos perguntam, também, qual meu lugar preferido dentre os tantos que visitei, já que contabilizei, literalmente, dezenas de cidades na costa e pelo menos seis ilhas nos dois arquipélagos.  É claro que é sempre muito difícil eleger um só lugar, pois cada um deles tem particularidades muito diversas. Mas eu tenho o meu preferido, sim. A ilha de Maui.
Maui é um dos cinco condados que compõem o Estado do Havaí e fica a cerca de meia hora de voo de Honolulu, que se situa na ilha de Oahu. Com um pouco mais que cem mil habitantes e com um pouco menos que dois mil quilômetros quadrados, Maui, para mim, é a mais fiel representação da perfeição da face da Terra.
Para começar, o clima é maravilhoso durante todo o ano, o que dispensa maiores comentários. Além disso, as belezas naturais da ilha são tantas e tão diversas que você chega a pensar que nem em uma vida inteira você seria capaz de esgotar o êxtase e o encantamento que as sucessivas paisagens provocam em sua alma. Por fim, Maui tem uma infraestrutura maravilhosa, com excelentes hotéis, restaurantes, lojas, atividades e tudo, mas tudo mesmo, que você puder imaginar.
Maui é o destino de muitos casais que pretendem trocar as alianças em uma praia deserta. É também um dos pontos prediletos para a celebração da lua-de-mel ou para a renovação anual dos seus votos. Eu mesma, se estivesse casada, usaria este pretexto para retornar à ilha todos os anos da minha vida enquanto durasse o meu matrimônio. E, mesmo que o casamento acabasse, provavelmente eu invocaria as mesmas maravilhas para continuar visitando a ilha, ano após ano.
O melhor local para ficar é na costa Oeste da ilha, sendo que a opção pelo Norte ou pelo Sul é uma decisão que tem a ver com o seu bolso e com o seu gosto. Se você for muito sofisticada e não tiver qualquer restrição financeira, sugiro que você fique em um dos maravilhosos resorts de Wailea, ao Sul da ilha. Lá, além de acomodações espetaculares, você ainda poderá gastar seus incontáveis dólares no The Shops at Wailea, que dispensa apresentações.
Se você, porém, é completamente apaixonada pelo mar e pretende fazer atividades aquáticas e sair de barco todos os dias, recomendo que fique em Lahaina, onde se localizam o porto e uma vilazinha bem simpática cheia de lojinhas e restaurantes. 
Agora, se você pretende surfar e for mesmo uma profissional, deve ficar ao Norte da ilha, entre Kaanapali e Kapalua, ou em Jaws, onde as ondes são violentas.
Eu não fiquei em nenhuma desta áreas e optei por Kihei, região onde se concentra o maior número de hotéis e condomínios. Se você pesquisar, encontrará North Kihei e South Kihei. Escolha o Sul, pois os hotéis e a infraestrutura vão melhorando nesta direção, já que a extremidade desta área bate em Wailea, aquele lugar maravilhoso que mencionei. Fiquei no Mana Kai Hotel, com vista para o mar e tudo à mão. E aqui passei cinco dias incomensuravelmente felizes.
Mergulhei em Molokini Crater, fiz um rafting a motor até a ilha de Lanai, participei do Whale Hawaii Ocean Project, conheci Makena e outras praias lindas do Sul, fiz snorkel quase todos os dias e aprendi Stand Up Paddle. Fiz amigos, comi bem, bebi drinks maravilhosos, torrei ao sol e até emagreci. Aliás, fiquei tão encantada com Maui que passei algumas horas em escritórios imobiliários pesquisando algumas opções para compra.
O mundo ali é tão perfeito e completo que elejo Maui como um dos melhores lugares do mundo para se visitar e viver. De lá, voltei triste para Honolulu e só me animei de novo quando embarquei para Fiji, que relato na próxima postagem, e que é calma, quieta e maravilhosa como o próprio paraíso. Amei Fiji de paixão, mas meu coração estará sempre em Maui, a quem devoto meu eterno amor e gratidão. 
Aprendi muito em Maui, sobre a natureza, sobre a vida e sobre mim mesma. Conheci melhor o meu ritmo e as minhas necessidades. Descobri que a quietude e a contemplação passiva, ao menos naquele momento, não eram para mim. E deparei-me com uma verdade surpreendente: foi em meio à atividade positiva e à imersão completa em um ambiente vivo e rico que fui verdadeiramente feliz.

(Surfista em Maui, Hi, USA - foto extraída de http://favim.com/)


quarta-feira, 11 de abril de 2012

NUNCA PARE DE REMAR

Um dos encantos da vida é aprender a observar que nada está parado. Tudo flui, segue, gira, cresce, muda, modifica-se. O estático é uma ilusão da mente. As células envelhecem. Os elétrons vagueiam ao redor do núcleo do átomo. E o tempo, que intuitivamente não para, na verdade sequer existe, de acordo com a concepção socrática.
Se estas afirmações parecem ser verdadeiras, não faz qualquer sentido buscar a estagnação. A ausência de impulso e de transformação do ser humano não se harmonizam com o fluxo da vida. E o querer reter, prender, conservar e manter também se insere no campo das atitudes que desafiam o ritmo da existência.
Há pouco menos de um ano, tive uma séria lesão na coluna que, ao menos até agora, impediu-se de voltar a montar. E você não imagina como eu sinto falta dos meus amigos equinos, do cheiro do campo, das cores das flores, da garoa no rio, dos cabelos ao vento. Não sei se um dia volto. Mas se eu puder voltar, estarei retornando a raízes profundas e correrei por vales, montanhas, estradas e regatos até entender o mito da criação e alguns dos mistérios da vida.
Mas não pense que estou parada. Uma impossibilidade momentânea não precisa significar a sua paralisação. Você tem que procurar outra coisa para aprender, estudar outras maneiras de fazer e desenvolver outras partes do seu corpo e da sua mente.
E foi assim que livrei minha alma do aprisionamento neste último ano. Escolhi outros caminhos e outros desafios. Vou contar como foi.
Primeiro, mudei de habitat. Troquei a terra quente e seca pela água fresca e apurei meu gosto pelo mundo subaquático. Vi peixes, crustáceos, corais e muitas outras formas de vida que eu jamais imaginei que pudessem existir. Depois, desci a um universo antes impenetrável. Aprendi a mergulhar e compreendi que até mesmo para os nossos pulmões existe uma alternativa. Nadei com golfinhos, baleias e tubarões e, nas profundezas de oceanos cristalinos, encontrei cores e movimentos inusitados. Dancei ao redor de embarcações submersas e percorri labirintos e túneis com vagar e precisão.
Num terceiro momento, voltei à superfície. Viajei em  motores, velas e remos e senti outras temperaturas e sensações esbarrando em minha face. A velocidade é inebriante e tudo aquilo que te transporta é realmente capaz de te levar muito além. Mas desta vez eu não conduzi. Deixei-me ser guiada e em tais momentos de rara contemplação apenas me entreguei.
E então era hora de voltar ao comando. Fazia tempo que eu não segurava nas rédeas, mas não me esqueci de como era me levar a mim mesma. E aprendi a manejar o remo em cima de uma prancha. Minha primeira lição foi nas águas rebeldes do Oceano Pacífico. E depois de muitas e muitas quedas, finalmente comecei a equilibrar-me. E logo descobri uma sequência lógica em tudo isso.
O passo inicial é carregar a prancha até o mar. Se você não conseguir carregar, arraste. Se você não conseguir arrastar, peça ajuda. Mas não desista. Em seguida, deite-se sobre ela e flutue em direção ao horizonte. Quando se sentir preparada e como quem faz uma prece, ajoelhe centralizadamente e comece a remar. Nesta hora você começa a subir. O remo é longo e único e o trajeto da sua prancha é controlado por meio da alternância, ao lado esquerdo e direito. Passando a arrebentação, fique em pé e continue remando, pois, se você parar por um segundo, é certeza que vai cair. Se vier uma onda mais forte, tente concentrar-se. E se não der certo, não tem problema nenhum. Sua prancha estará atada a seu pé. É só subir  de novo e recomeçar. Quantas vezes sejam necessárias.
Aprendi muitas coisas com estas novas atividades, que não são nada diferentes da nossa forma de viver a vida. Para mergulhar, o importante é ter calma e respirar para poder observar a beleza do desconhecido. Para ficar em pé numa prancha, é só concentrar-se e equilibrar-se para poder seguir em frente. E para seguir num barquinho tripulado, é só deixar-se conduzir.
Não sou atleta, mas sou muito bem intencionada e dedicada às minhas metas. E afirmo que dá para aprender uma coisa ou outra, ou todas. Mas se você não quiser, tudo bem. Eu já disse o que eu achava essencial. Nos momentos de dificuldade, apenas lembre-se destas singelas lições teóricas. E sempre aja como se você já soubesse fazer. Respire fundo, concentre-se, observe, equilibre-se, eleve-se e, o mais importante de tudo, nunca, mas nunca mesmo, pare de remar.

(Baleias - foto extraída de http://www.marinewatchnsw.com/)

terça-feira, 10 de abril de 2012

UMA ILHA E SEUS ENCANTOS

Único estado americano com clima tropical o ano inteiro, esta maravilha de arquipélago chamada Havaí é rica e fértil para todos os gostos, dos mais simples aos mais exigentes. Na verdade, poucos lugares são tão democráticos. É impossível não gostar do que se vê por ali. A porta de entrada para este conjunto de ilhas é o Aeroporto de Honolulu, que, de uma certa forma, é até modesto se comparado à beleza do que está por vir. Estive nas ilhas recentemente e digo, com toda a honestidade do mundo, que pensei em um dia me mudar para lá de mala e cuia. Loucura ou não, empolgação ou não, o fato é que é difícil encontrar alguém que não pense em retornar ao arquipélago ao menos uma vez na vida.
Se você quiser conhecer os essenciais encantos disponíveis, não fique menos que quatro noites em Waikiki, principal praia de Honolulu, que, por sua vez, fica na ilha de Oahu e que, também por sua vez, é a principal ilha do arquipélago. Há muito para ver e fazer. Ali você encontra lojas, restaurantes e hotéis sofisticados. Mas encontra também a natureza no ápice de seu esplendor. O vermelhíssimo pôr do sol de Waikiki é exuberante a ponto de deixar qualquer um extasiado. Assim como tudo o mais. Nos concierges dos principais hotéis, você encontra muitas opções de passeios e alguns deles são realmente imperdíveis. Não deixe de jeito nenhum de ir a Diamond Head, considerada uma das principais crateras vulcânicas do mundo. Lá você faz um pequeno "trekking". Imprescindível também é jogar-se nas águas azuis de Hanauma Bay, um dos lugares mais espetaculares em que já estive para fazer "snorkel". Aliás, para melhor aproveitar os seus passeios, sugiro que você compre uma máscara e nadadeiras e carregue-as com você. Recomendo também que você vá conhecer de perto os golfinhos e baleias, em um tour que parte da marina do Ko Olina Resort às seis horas da manhã.
Agora, se você quer ter uma experiência tipicamente havaiana, terá que aprender a surfar em Waikiki Beach. Infelizmente, devido a um problema na coluna, não pude fazer isto, mas observei como as coisas funcionam na beira do mar. Por uma aula você paga cerca de U$90, que não é exatamente barato. Mas seu simpático professor ficará com você na areia e na água o tempo que for necessário até você se sentir confortável e apta a alugar sozinha uma prancha em uma tentativa solo. Além disso, você sempre poderá dizer que aprendeu a surfar ao lado da estátua de Duke Kahanamoku, o pai mundial do surf. E esta verdadeira lenda é tão importante na vida dos havaianos que há um restaurante temático em homenagem a ele, o Duke's, em que você pode saborear saladas e drinks maravilhosos ao som de música típica. A propósito, este bar é ótimo para ir sozinha, pois você facilmente se acomoda no balcão. E, para chegar até ele, é só entrar no Hotel Outrigger Waikiki on The Beach, que fica quase em frente ao International Market Place.
No quesito dia-a-dia e para suas compras e necessidades básicas, vá a uma das dezenas de ABC Stores, em que você encontra literalmente de tudo. Até o café de máquina é bom nestas lojas, que ainda têm coupons de descontos e bônus como presente.
Alugar um carro na ilha não é uma boa opção, à exceção do dia em que você for até North Shore, o que é obrigatório. Você pode ir até lá pelo centro da ilha ou a partir de Waikiki rumo ao sul, fazendo todo o contorno. Escolhi este caminho. A viagem é linda e você vai se emocionar quando vir as ondas gigantes em Sunset, Banzai, Pipeline, Waimea, Haleiwa e outras praias onde se concentra o "high surf" e onde você não poderá nadar, a não ser que deseje ser resgatada por um salva-vidas bronzeado e histérico gritando em um megafone. Depois de deliciar-se contemplando os maiores tubos que você já viu, vá almoçar em algum restaurante perto do Haleiwa Beach Park e sinta-se absolutamente em casa.
No último dia de Oahu, procure em Waikiki um Catamarã chamado Mana Kai e faça um passeio de uma hora por U$20, durante a qual você poderá observar a cidade vista do mar. Vale muito a pena, acredite.
A postagem termina por aqui. Oahu, não. A ilha é muito mais do que isso e para entender o que ela significa só mesmo estando por lá. Não se esqueça que ali fica Pearl Harbor, de importância histórica sem precedentes para os nativos.  Isso sem contar as inúmeras outras atrações, que, somadas às que eu já mencionei, bem justificam o fato de que Oahu é conhecida como "The Heart of Hawaii".
São infinitos os encantos que se contam em cada um dos cantos da ilha. Das crateras às baías, das praias  desertas ao topo dos vulcões, do mar azul encapelado ao crepúsculo escarlate, Oahu é como uma pérola única que repousa no Pacífico. Vá conhecê-la. Bem aventurados os que puderem tocar nesta jóia. Bem afortunados os que puderem se adornar com ela.

(Hanauma Bay, Oahu, Hawaii, USA - foto extraída de http://www.tripsgeek.com/)

domingo, 1 de abril de 2012

ALOHA, HAWAII, MAHALO

Considero que a imaginação das pessoas seja uma de suas potencialidades mais vigorosas. Não sei se isso acontece por causa de nossos referenciais pessoais ou porque a natureza, em ato de extrema de generosidade, simplesmente dotou o ser humano de infinita capacidade de ver o que não existe, seja no passado, no presente ou no futuro.
Quando eu desenhei minha última viagem, esquadrinhei tudo o que estava a meu alcance, de modo que, quando cheguei a meus destinos, tinha já uma ideia bem clara e precisa do que eu encontraria por ali. E assim foi ao longo de toda a Costa da Califórnia e também em Las Vegas, lugares em que senti extrema familiaridade e conforto, porque eles não destoaram muito daquilo que eu visualizei que poderia encontrar.
Em Honolulu, porém, não foi assim. Muito diferente daquilo que imaginei, não fui recebida com colares de flores, músicos e saudações ao chegar ao movimentado Aeroporto. Ao contrário, tudo o que se via eram turistas estressados, correndo de um lado para outro, e uma infindável multidão de pessoas trajando camisas floridas abordando você para levá-lo até Waikiki, região onde se localizam os principais hotéis. E foi assim que contratei a SpeediShuttle para me levar até meu destino, o Aston Waikiki Beachside Hotel, por baratíssimos US$13. A van era conduzida por uma motorista muito inexperiente, que tentava ser simpática com os demais passageiros, que, exaustos como eu, não queriam ver nada durante o traslado e que só pensavam em se livrar das malas num confortável quarto de hotel. Ela, insistentemente, dizia "Aloha" e nos pedia, tal qual em uma excursão de colégio, para que repetíssemos a saudação, alegres e entusiasmados. Não satisfeita, ela perguntava: "Vocês estão em Honololu. Não estão super felizes?". Quem já não estava com excelente humor, como eu, teve sua condição significativamente piorada, o que, em meu caso particular, também se justificou pelo fato de que a motorista teimou em me deixar em outro hotel da mesma cadeia, o Aston Waikiki Beach Tower, praticamente me colocando para fora da van na rampa de acesso. Infelizmente, tive que discutir com ela, ao que ela retrucava dizendo que aquele era o único Aston de Waikiki. Eu, que não moro lá nem nada, já sabia que existem dezenas de "Astons" naquele Estado e naquela cidade.
Foi só quando a levei até o concierge do hotel errado que ela se convenceu de que aquele não era o meu destino. E subimos novamente na van até o correto desembarque. No caminho, ela considerou relevante dizer-me que as duas palavras mais importantes da ilha eram a já mencionada "Aloha", que é uma espécie de coringa que serve para quase tudo, e "Mahalo", que significa "Obrigado". Ok. Ao descer no hotel correto, falei o recém aprendido "Mahalo", que, obviamente, veio desacompanhado da esperada gorjeta.
O hotel era muito bem localizado, em frente ao melhor ponto da praia. Mas o quarto que eu recebi não era tão bom assim, pelo simples fato de que não tinha janelas externas e apenas uma espécie de vitrô que dava para um corredor. Sinceramente, achei um desaforo estar em Waikiki sem poder respirar a brisa do mar e, felizmente, consegui um quarto muito melhor, sem qualquer acréscimo. E ali fiquei por quatro noites.
Saí para caminhar, para comer e para escolher o que eu faria no dia seguinte e, miraculosamente, tudo foi se acalmando. Às vezes, as chegadas são conturbadas assim mesmo. Mas depois que eu tomo uma coca-cola  diet ou um café, e paro para respirar e pensar onde estou e que consegui chegar sozinha até lá, tudo fica mais ameno.
É sempre assim. E é por isso mesmo que não me importo nem um pouco de viajar sozinha. Depois da confusão, sempre vêm incontáveis benesses. E é por isso também que jurei a mim mesma nunca vou parar de voar. Pode parecer que não, mas isto também é um treino incrível para seu aprimoramento pessoal. Você desenvolve sua paciência, sua capacidade de resolver problemas e sua habilidade em lidar com frustrações e desilusões. E a gente acaba usando tudo isso no nosso cotidiano, porque a vida é mesmo uma sucessão de fatos que nos iludem, nos enganam e nos desapontam. E quando eles se mostram como realmente são, é aí que você põe à prova a sua aptidão para enfrentá-los sob a roupagem da realidade. E se você conseguir ser feliz neste ponto, isto significa que literalmente transcendeu, no sentido de que passou por todas as dificuldades até atingir um real contentamento. As viagens nos fazem crescer. As viagens nos tornam preparadas. As viagens ensinam muito sobre o viver. Acredite ou não, aceite ou não, isto é quase uma forma de espiritualidade.

(Sunset em Waikiki, Honolulu, Hi, Usa - foto extraída de http://blogviagens.com/


terça-feira, 27 de março de 2012

O GRANDE PLANO DA SUA VIDA

Se você está bem consigo mesma, é quase certo que esteja fazendo planos para sua vida. Planejar é a saudável arte de organizar, mentalmente, aquilo que você deseja realizar. É antever as possibilidades e os caminhos que você irá percorrer até alcançar aquilo que você quer atingir. Planejar é também a capacidade de traçar estratégias eficientes para resolver os problemas que certamente irão aparecer. Quando se planeja algo, não se espera o fracasso. Mas se você deixar de considerar os possíveis entraves, é quase certo que será pega de surpresa e que não terá, à sua mão, os recursos mais adequados para enfrentá-los.
Nossos primeiros planos são contemporâneos à época do nosso nascimento. Desde os primeiros instantes de vida, já existe vontade, mesmo que esta seja concernente, unicamente, à nossa própria fisiologia. Pode ser também que ainda antes do nascimento já exista o desejo. Pelo menos o desejo de viver. Os estudiosos dizem que, desde a fase uterina, o instinto de sobrevivência é uma realidade comum a todos os seres humanos e se manifesta por meio dos chamados reflexos, que objetivam a satisfação de uma necessidade. 
Se você não tem qualquer plano para sua vida, isto significa que está à mercê de condições exteriores à sua existência. Não estou discutindo e nem negando o útil "deixa a vida me levar", o qual tem enorme serventia quando você se dá conta de que não tem controle sobre muitos aspectos da sua vida. Mas também não posso ignorar por completo o famosa fábula "A Cigarra e a Formiga", cuja autoria é atribuída a Esopo, mas que, ao que consta, acabou se tornando notória graças a La Fontaine, que a recontou.
Agora, se ser cabeça fresca não é necessariamente uma opção e se você realmente não tem prazer e nem desejos, isto pode significar que você está precisando de ajuda. Até onde eu sei, e a não ser que você já tenha atingido elevado estágio de iluminação, o querer faz parte de todos os seres humanos.
Se os planos são uma constante na vida de quase todos, o mesmo não se pode dizer com relação à sua realização. Ao contrário, ao longo de nossos caminhos, muitos dos nossos planos foram esquecidos ou  deixados de lado. Outros, por sua vez, simplesmente não deram certo. E outros acabaram sendo modificados devido às cambiantes circunstâncias da vida. Todas nós já passamos por isso mas, no fundo, isto não tem mais qualquer importância. Os planos que ficaram para trás nunca mais voltarão. E isto porque se você pensar em um dia retomá-los, deverá considerá-los como um novo plano. Ora, parece bastante lógico que se você não pensar assim, chegará ao mesmo ponto em que chegou anteriormente e não verá, mais uma vez, a sua realização.
Dói muito não conseguir realizar alguns de seus nossos planos. E quando isso acontece, a única coisa que conseguimos ver somos nós mesmas e não nos enxergamos de maneira amorosa, porque a crítica e a auto-censura são formas muito vigorosas de não-perdão. Não sou dona da verdade, nem sábia e nem madura o suficiente, mas, pelo que percebo, este é um ciclo que tende a se repetir e é nossa obrigação aprender a lidar com ele.
Por incrível que pareça, devemos ter planos para nos recuperamos dos planos que não dão certo. E é nesse ponto que eu queria chegar. O mundo vai além. Continua girando, com ou sem a realização de seus planos. Estamos todas fadadas a esta realidade. Queremos muito, mas muitas vezes não conseguimos. E não importa a razão. Bem ou mal, o fato é que você tem que se adequar ao resultado, seguir em frente e fazer outros planos.
Minha querida avó dizia que não devemos colocar todos os ovinhos no mesmo cesto. Talvez ela estivesse certa quando demonstrava saber que é necessário diversificar. Porque ela compreendia que, a par da dedicação, existe o inexorável imponderável ao qual é necessário resignar-se. Ela me ensinou que se o plano "a" não der certo, ainda temos o "b", ou o "c", e que devemos aceitar de bom grado que o alfabeto tenha vinte e seis letras.
Aprendi com meus próprios insucessos que o que salva a espécie humana é a aliança do esforço com o improviso. Talvez este seja o mais sublime plano da construção do nosso ser. E um pouco depois, aprendi também que é o caso de adicionar a alegria a esta equação. Alegria que deve ser entendida como a constatação de que, seja seu caminho plano ou não, sempre é possível seguir na direção do nosso mais recente objetivo.

(Pirâmides de Gizé, Egito - foto extraída de http://ancientworldwonders.com/)


sexta-feira, 23 de março de 2012

OS ESPELHOS MÁGICOS

Pode parecer estranho que a dois dias de embarcar para Honolulu, Capital do Havaí, eu estivesse comprando luvas, cachecol e gorro de lã na cidade de São Francisco. Eu estava me preparando para visitar o Yosemite National Park e, segundo a acertada meteorologia, estaria nevando ali. E foi assim que, em uma terça-feira cedinho, mas bem cedinho mesmo, partimos em tour para aquele maravilhoso lugar. O motorista do ônibus chegou adiantado uns quinze minutos. Quando foram me chamar no restaurante do hotel, pedi para que ele esperasse um pouquinho. O simpático rapaz da recepção voltou em seguida e me explicou que não seria possível, pois o motorista tinha outros tantos turistas para apanhar em diferentes hotéis, todos exatamente às seis da manhã. Como meu hotel era o primeiro da lista, meu café acabou sendo abruptamente interrompido um quarto de hora antes do combinado. Obviamente isto não foi muito agradável para mim, mas, surpreendentemente, foi o motorista quem ficou de mau humor. Não eu. Coisas de viagem.
Seguimos em frente, nós dois, para pegar todos os demais viajantes e partimos, então, em direção a nosso destino. No ônibus havia alguns australianos muito simpáticos. Havia também alguns orientais, com suas potentes câmeras e, dentre eles, uma japonesinha na flor de seus dezesseis anos, acompanhada de sua mãe. A menina tinha um ar de top model e a devotada mãe não se cansava dos cliques de sua poderosa Nikon e nem das caras e bocas da filha. Mas o mais engraçado mesmo foi que a garota usava botas de salto altíssimo, cílios postiços gigantes e perfeito batom Dior na cor vermelho-paixão. Ela era linda e parecia uma heroína de Mangá adornada com autêntica bolsa Louis Vuitton e trench coat Prada.
Eu não tenho nada a ver com o que os outros vestem ou deixam de vestir, mas fiquei me indagando se aquela plataforma era adequada ao passeio, que incluía trilhas na neve e lagos congelados. E pude constatar, ao chegarmos ao Parque quatro horas depois, que minhas suspeitas estavam corretas. A garota teve muita dificuldade para descer do ônibus e posso afirmar com toda a convicção do mundo que, se ela tem um blog de viagem, não foi capaz de relatar nada além da Cafeteria do Parque. Ela não conseguiu andar para fora dali.
O Parque, que se localiza em Sierra Nevada, possui riquíssimas fauna e flora. Mas o ponto alto de Yosemite são, literalmente, as gigantescas formações rochosas, mundialmente conhecidas pelas escaladas de atletas insanos que permanecem pendurados em uma parede de pedra por três dias até atingirem o topo. O El Capitan é talvez o mais famoso penhasco de granito do mundo. Mas Sentinel Dome e Half Dome não ficam nem um pouco atrás em termos de beleza e de grandiosidade. Meu lugar predileto, porém, foi Mirror Lake, que é remanescente de um grande lago glacial. Este lugar é mágico. Sério mesmo. Clique aqui e tenha uma pequena amostra deste pedaço deslumbrante do Paraíso. Felizes os que puderem ver esta maravilha pelo menos uma vez em sua vida.
Não quero ser crítica demais ou insistente no assunto, mas, diante daquela incomensurável e magnífica visão, eu não podia deixar de pensar na garotinha oriental. Tenha sido a decisão da moça ditada por questão de cultura, moda, tendência ou vaidade, o fato é que ela, em minha humilde opinião, perdeu muito de seu passeio. Eu, por exemplo, ainda que tivesse suprimida a minha primeira refeição do dia, tal como ocorreu de manhã, jamais me disporia a permanecer oito horas dentro de um ônibus apenas em nome de uma boa xícara de café preto e de alguns cookies. Mas a vida é assim e escolhas são escolhas. Ela não viu as principais maravilhas naturais de Yosemite e nem trilhou com seus próprios pezinhos por aqueles caminhos encantados. Eu, por outro lado, vi coisas incríveis, mas, ao menos naquele dia, poderia ter ganho o "Oscar" da deselegância, já que trajava um gorro enfiado na cabeça, calça jeans molhada até o tornozelo e tênis encharcado de lama e de neve. 
Nós, mulheres, somos muito vaidosas e gostamos de ser notadas e observadas. Mas há momentos certos para isso. Ou melhor, há momentos em que, mais importante do que sermos vistas, é ver e conseguir enxergar. Porque podemos nos olhar em nossos espelhos todos os dias das nossas vidas, mas, não, naquele Mirror Lake. E quer saber mesmo? Às vezes, contemplar de dentro para fora nos faz ver a nós mesmas de fora para dentro. Não sei como isso funciona. Mas aquele tipo de espelho nos possibilita ver além de nossas próprias faces. Estes espelhos refletem muito mais do que imagens. Eles são capazes também de fazer brilhar o tempo, as lembranças, os sons e as memórias. Esses espelhos nunca se quebram e sempre sabem o que você está pensando e sentindo. Não é possível mentir para esses espelhos, pois eles conhecem todas as verdades da alma. Estes espelhos são perfeitos e justos e mostram as coisas como elas realmente são. Eles não distorcem e nem deformam. São espelhos sábios, que não julgam e não criticam ninguém. E ainda podem contar a você tudo o que eles sabem sobre a vida. Esses espelhos mágicos não se importam com os seus erros e com seus acertos. Eles são infinitamente generosos na capacidade de compreender e de perdoar, mesmo que você esteja usando calçados impróprios para percorrer as trilhas da sua existência. Eles são o que são e refletem o que é.  E, mais do que isso, refletem o que foi. E o que será.

(Mirror Lake, Yosemite Park, CA, USA - foto extraída de http://en.wikipedia.org)

quarta-feira, 21 de março de 2012

NEM SEMPRE O SOL ESTÁ BRILHANDO

Existem momentos em que você simplesmente está sensível. Não falo exatamente daquela sensibilidade positiva, que é capaz de transformar sua mente em um poderoso receptor de energias, imagens e informações. A sensibilidade a que me refiro é uma espécie de tristeza que em muito se assemelha a uma certa melancolia. Dizem que as mulheres são suscetíveis a alterações de humor por razões de ordem hormonal. Nem sempre. Acho que é da natureza feminina, independentemente destas oscilações físicas, alternar seu percurso entre montanhas e depressões em uma topografia absolutamente imprevisível. Quando isso acontece, tudo o que você quer é se isolar em seu mundo e ficar quietinha até perceber um brilho por entre as nuvens, em claro prenúncio de que o sol está finalmente voltando. Às vezes, porém, não é possível hibernar por consciente escapismo. As demandas da vida cotidiana não se importam nem um pouco com suas emoções e sensações, o que, entretanto, não é necessariamente ruim, porque a premência é sempre catalizadora do processo de recuperação.
Quando dei início ao Blog, assumi o compromisso de escrevê-lo em todas as minhas noites livres. Como eu não me lembro de haver estabelecido a misantropia como exceção a esta comprometimento, tenho a obrigação de seguir em frente com meus relatos de viagem.
Meus últimos comentários foram sobre meu novo e devotado amor à maravilhosa cidade de São Francisco, que comecei a explorar em um domingo à tarde e que, de uma certa forma, nunca mais saiu da minha cabeça. A metrópole tem forte apelo romântico, tanto que quase todos os célebres cantores do mundo já entoaram o famoso "I Left My Heart in San Francisco". E quando você está lá, você consegue compreender. Não se trata apenas de observar os casais apaixonados. A cidade, em si própria, é exatamente como o amor. Ela tem altos e baixos inacreditáveis e curvas tão acentuadas que escapam da sua tenaz compreensão. Não sei se você sabe, mas a famosa Lombard Street é conhecida como a "rua mais curva do mundo", o que, na realidade, pode ser considerado verdadeiro eufemismo, principalmente se você estiver tentando caminhar por ela calçando saltos altos. Na verdade, ela é uma ladeira muito íngreme, que desce em zigue-zague por vários quarteirões. E porque ela é muito estreita, o único sentido de direção possível é mesmo o que segue rumo abaixo, a não ser que você teime em subir a pé, em sentido contrário ao da direção dos carros. Não quero ser pessimista ou cética, mas esta rua, apesar de rodeada por canteiros muito floridos, é como o sinuoso desenho do amor, na fatalidade de quando ele não dá certo. A consequência natural de um mau relacionamento é sempre uma inevitável descida, que você deve percorrer com o cuidado necessário para não se machucar ainda mais. Além disso, é preciso considerar que, neste quadro, a aceitação é obrigatória como via de mão única. E não é prudente tentar fazer o caminho inverso. Isto vai lhe custar força e energia desnecessárias, exaurindo  completamente o seu ser.
Acredite ou não, mas dentro da Prefeitura de São Francisco, há uma enorme escultura brilhante em formato de coração. Esta cidade é assim. E se você estiver sozinha, como eu estava, vai entender ainda com mais propriedade como seus sentimentos podem se tornar ambíguos e contraditórios de uma hora para outra. De uma certa forma, tudo ali lembra o amor, em escala significativamente potencializada. E quando você presta atenção ao amor, lembra também que não tem um amor. E então lembra das ladeiras da sua vida e das tentativas, em vão, de seguir contra seu fluxo natural. E das escorregadas e arranhões. E das vezes que você posou para fotos, como fiz ao lado daquele enorme coração, sem qualquer significado aparente. E das coisas que muitas vezes você fez e que não fizeram nenhum sentido. E das pessoas que nunca cantarem nenhuma canção de amor.
São Francisco é assim poderosa. Ela tem a capacidade de instigar e de provocar as mais variadas emoções. Seja em uma praça famosa, seja no Pier 39, seja na Golden Gate, seja em Chinatown, seja em Little Italy, seja em Alcatraz Island. Em San Francisco quase nada te liberta. Quase nada passa despercebido. Quase tudo te fascina, te encanta e te intriga. Não é exagero dizer que São Francisco é como um hábil sedutor que, após uma perfeita e plena noite de amor, pode te abandonar para sempre, sem deixar qualquer vestígio, sem qualquer palavra, sem qualquer explicação.

(Lombard Street, San Francisco, CA, USA - foto extraída de http://www.gogobot.com/)

segunda-feira, 19 de março de 2012

O UNIVERSO DA BELEZA

Na manhã de hoje, estive na FAAP a convite de uma queridíssima amiga para o fim participar da mesa redonda de abertura do curso "O Universo da Beleza", concebido dentro da própria instituição e integrante de seu Núcleo de Cultura. Além desta minha amiga, Dra. Náila Nucci, compuseram a mesa o Prof. Silvio Passarelli e outros três reconhecidos nomes do meio acadêmico e jornalístico, cujo brilho foi capaz de transformar aquela távola em uma constelação de primeira grandeza.
Durante a apresentação do projeto, os expositores traçaram considerações filosóficas sobre o tema, o que, confesso, teve o condão de surpreender-me pela vastidão e magnitude, inatingíveis como os confins do próprio universo. Foram tantas e tão complexas as observações, que acabei por constatar que eu jamais havia me dedicado a pensar sobre o assunto com a atenção que ele merece.
Em um primeiro olhar, o tema pode parecer singelo e óbvio, principalmente se for compreendido tão-somente sob a acepção do culto ao belo como alavanca ao atingimento da felicidade. Ninguém desafia esta realidade atual e não há quem não reconheça que a estética é uma meta a ser alcançada em todas as áreas da corporalidade, assim entendida como tudo aquilo que pode ser apreendido do ponto de vista material. Descobri hoje, porém, que a beleza vai muito além de sua própria aparência e penetra em campos muito mais sutis da existência humana. Alguém questiona a validade da existência da beleza que qualifica e guarda relação com as características da alma e do ser, em sua concepção espiritual?
O belo, a princípio, parece ser aferível de plano, mas não existe dúvida quanto ao fato de que muitos critérios são nutridos pela experiência cultural e pelas referências pessoais. Neste ponto, então, você pode acabar se convencendo de que a beleza é relativa e um tanto subjetiva. Mas se você admite esta premissa como inteiramente verdadeira, acaba por invalidar postulados universais. Quem descrê da proporção áurea utilizada pelo escultor grego Fídias ao conceber o Parthenon e legar a quase todas as áreas do conhecimento humano a constante real algébrica irracional representada pela letra Phi? E, num sentido mais prosaico, alguém consegue explicar como bebês de poucos meses são já capazes de manifestar suas legítimas preferências?
Muito mais foi dito, debatido e questionado e é claro que eu tinha perguntas a fazer. Mas considerando que eu jamais havia me dedicado ao assunto, achei melhor levá-lo embora comigo para minhas próprias reflexões.
Durante o dia, muitas coisas vieram à minha mente e pude então perceber que meu gosto desenfreado pelas viagens guarda íntima relação com a busca da beleza que existe na diversidade e na diferença. Diz-se que é afortunado aquele que tem a capacidade de apreciar o belo em sua essência bruta e dissociado dos paradigmas individuais. Talvez eu tenha nascido com sorte, ou talvez eu tenha apenas desenvolvido uma potencialidade disponibilizada a todos. Não sei. De qualquer modo, isto explica, em parte, o fato de que eu jamais tenha "desgostado" de um determinado lugar. Quando viajo, desligo minhas chaves pessoais e abandono qualquer parâmetro ou comparação. Vivencio as experiências na plenitude de como podem ser vividas e procuro olhar com olhos que enxergam sob outra perspectiva. E se a procura da beleza e seu consequente encontro constituem mesmo uma estrada para a felicidade, é por ela que eu pretendo continuar seguindo.
Dostoiévski dizia que "a beleza salvará o mundo". Isso também eu não sei, filósofa que não sou. A única coisa que posso dizer é que o mundo, em si mesmo, já ostenta o atributo da beleza, que é ratificada e validada a cada novo olhar. Não sou ousada o suficiente para sustentar uma tese divergente da defendida pelo escritor russo. De toda forma, como uma assertiva não se contrapõe necessariamente à outra, apenas reafirmo que a beleza é facilmente visível, amplamente perceptível e bondosamente democrática. É só observar. Ela pode ser encontrada em qualquer lugar em que você esteja. Em quaisquer circunstâncias, em quaisquer condições.

("O Homem Vitruviano", Leonardo da Vinci)

sábado, 17 de março de 2012

O ANO DO DRAGÃO

De acordo com o calendário chinês, iniciou-se, em 23 de janeiro de 2012, o Ano do Dragão, o qual se estende até o dia 09 de fevereiro de 2013. Dizem os estudiosos que este é um signo poderoso, que representa a vitalidade, a coragem, o entusiamo e os ideais elevados. Meu signo zodiacal é Touro e meu signo chinês é Dragão, mas eu não havia me lembrado de que este é o "meu ano" até chegar a São Francisco, em 05 de fevereiro de 2012.
Não sei se você sabe, mas, da população de São Francisco, cerca de 32% têm origem asiática. Eu, particularmente, não sabia. E foi só chegar àquela maravilhosa cidade para constatar esse fato, não somente pelos traços étnicos do povo, mas pelos inúmeros símbolos chineses que adornam a cidade, especialmente, não é preciso dizer, em Chinatown
Mas São Francisco é muito mais do que esta sensacional miscigenação. São Francisco é, definitivamente, um "must go", que atende a todos os bolsos e gostos.
Eu vinha seguindo de carro desde Los Angeles e tomei conhecimento de que não era uma boa ideia ficar com o veículo nesta cidade. Obediente aos conselhos de outros blogueiros, minha primeira providência foi fazer o "drop-off" na unidade da Avis perto da Union Square. Acerto absoluto. São Francisco não é um lugar para você dirigir.
Em primeiro lugar, não há mesmo necessidade, pois o transporte público é muito eficiente. Além disso, as vagas de estacionamento são raríssimas e caríssimas, inclusive nos hotéis, que cobram cerca de US$30.00 por noite para o repouso de seu automotivo. Por fim, é claro que você vai querer contratar um city tour e, além disso, experimentar os famosos Cable Cars. Ou seja, não há vantagem nenhuma em ficar com o carro por ali.
São Francisco é tão excepcional e tão linda que eu nem sei bem como descrevê-la. É uma cidade única no mundo, acredite. Ela é moderna, mas tem muita personalidade. Ela tem estilo requintado, mas é bastante alternativa. E ela é boa para passear, comer, comprar, namorar, conhecer gente, sair à noite, ou não fazer absolutamente nada. São Francisco também tem parques lindos, piers, clima ameno o ano inteiro, praias maravilhosas, além de muita história. É uma cidade completa.
Por causa desta profusão de adjetivos, é preciso reconhecer que São Francisco não é uma cidade barata em termos de hotelaria. Hospedei-me no Touchstone, que é muitíssimo bem localizado. Não é luxuoso, mas é bastante confortável e tem um restaurante anexo, o David's, que é muito conveniente. Além disso, tem um business center com acesso gratuito à Internet.
Cheguei à cidade em um domingo. Aliás, quando eu não conheço a cidade, faço questão de chegar no domingo, quando tudo é mais tranquilo. Depois de devolver o carro e de instalar-me no hotel, saí a pé para conhecer as redondezas. Minto. Antes disso, já pesquisei o que eu faria no dia seguinte e fechei o city tour para segunda-feira. Passei bastante tempo na Union Square, que tem uma espécie de feirinha/exposição, que só acontece mesmo aos domingos. E, por uns instantes, andando de lá para cá, parando em um café ou outro, você é quase capaz de sentir-se como uma moradora local, o que muito me agradou.
O mundo não é pequeno, como as pessoas dizem por aí quando encontram amigos ou conhecidos em comum. O mundo é gigantesco e há centenas de lugares listados na minha cabeça para eu ainda conhecer.
Mas uma coisa é certa. Embora eu esteja sempre procurando coisas novas para fazer, São Francisco é um lugar a que pretendo retornar para reviver e para "re-sentir". Não sei quando, nem como, nem com quem. Mas tenho certeza de que estarei de novo naquela cidade que senti como tão minha. Seja ou não neste meu fabuloso e magnífico ano, o Ano do Dragão.

("Dragon Boat"- City Hall - San Francisco, CA, USA - foto extraída de http://news.xinhuanet.com/)

terça-feira, 13 de março de 2012

UM LUGAR PARA VOLTAR

Por mais que você pesquise e dimensione bem sua viagem, às vezes acaba acontecendo de você perceber que esticou demais em uma determinada cidade, ou que faltou tempo em outra para ver tudo o que possa lhe parecer interessante. Quem disser que nunca passou por isso ou não está falando a verdade, ou viajou muito pouco. Por incrível que possa parecer, mesmo que você esteja em lugar maravilhoso, às vezes acontece de você querer ir embora dali, proferindo a clássica afirmação: "já deu". Por outro lado, muitas vezes você se apaixona pelo lugar e fica muito triste quando considera que não houve tempo ou oportunidade suficiente para curtir todos os cantinhos.
Nesta última viagem, quando segui rumo norte, saindo de Los Angeles e indo em direção a São Francisco, reservei duas noites em Monterey, achando que seriam suficientes para conhecer esta delícia de cidade, e mais Carmel-by-the-Sea. Grave erro de planejamento. Há muito para ver nesta região e por falta de tempo e por outras circunstâncias, acabei não aproveitando bem a minha estada. Já comentei em um "post" anterior que uma agência local acabou cancelando meu "city tour" em cima da hora. Fui pega desprevenida quanto a isso e perdi a oportunidade de visitar muitos lugares. Ademais, por bobeira mesmo, também não conheci o famoso Aquário de Monterey, tido por todos como um programa absolutamente imperdível.  Além disso, não gostei nada do meu hotel (Quality Inn), que, apesar do nome, pouco ou nada tinha de qualidade para oferecer. Os travesseiros era muito desconfortáveis, as paredes eram finas o suficiente para você ouvir os hóspedes sussurrando no quarto ao lado e, o pior de tudo, havia tanto cloro na água das torneiras e do chuveiro que meus olhos chegaram a arder.
Para terminar, apesar de eu ter adorado o famoso Fisherman's Wharf, acabei me aborrecendo porque, ao retornar para meu carro, encontrei uma multa no para-brisas, no valor de US$60.00. Eu havia estacionado ao lado de um hidrante sem nada notar, mesmo porque não havia qualquer sinalização.
Coisas assim acontecem. Muitas vezes, há problemas desta natureza. E muitas vezes os próprios sentimentos com relação às coisas são inexplicáveis.
Não dormi e nem comi bem em Monterey. Pouco vi de Carmel. Não conheci os melhores lugares. Senti-me isolada do mundo. Tive despesas e aborrecimentos inesperados. Eu não estava de bom humor.
Mas a vida segue, minha amiga, e a gente também tem que seguir. Sempre. E pensar que o próximo destino será melhor, como realmente foi. Amei São Francisco de paixão. E ali me senti muito feliz, apenas um dia após uma crise de melancolia. Há alguém que consiga entender estas intermitências? Há alguém que preveja os altos e baixos das viagens e da própria vida? Há alguém que evite estas alterações de humor? Não, não há.
Mas vou fazer uma segunda tentativa. Espero um dia retornar a Monterey e Carmel-by-the-Sea e poder contar outras tantas coisas, mais excitantes e divertidas. Espero ficar hospedada em um ótimo hotel e jantar como uma princesa. Espero visitar todos os lugares em que não estive. Espero dormir como um anjo.
Retornar a um lugar nem sempre é reviver. Muitas vezes é dar-se a oportunidade de ver os mesmos lugares com outros olhos, de observar de um modo diferente. É conceder-se uma nova chance. Para tentar, mais uma vez, ser mais feliz. Que é o nosso objetivo.

(foto extraída de http://favim.com/)